terça-feira, 1 de novembro de 2011

Estado moderno, monopólio legítimo da violência e choque de ordem: o governo Paes mostra sua cara.

O filósofo inglês John Locke, fiel representante do liberalismo, se coloca para o pensamento político moderno como um dos primeiros refutadores do absolutismo. Como sustentação de seu pensamento, a idéia de que é preciso garantir a existência de um governo, ou estado, que garanta a liberdade e a preservação da propriedade privada, direitos naturais do homem para Locke (1).Essas são as bases em que se coloca a formação do estado moderno. A defesa intransigente da propriedade privada. Contudo, se esta é uma característica do estado moderno, a defesa da propriedade privada, podemos encontrar com a ajuda do intelectual alemão Max Weber uma característica mais geral a respeito do estado, qual seja, “o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território” (2).Conclui-se que o papel do estado moderno, ou seja, o papel do estado dentro dos marcos do capitalismo é proteger ou garantir a propriedade privada através do monopólio do uso legítimo da violência. Mas todos os estados, ou todos os governos, são iguais, possuem as mesmas características? Atrevo-me a afirmar que não. A essência é a mesma, na medida em que estes estados estão baseados e influenciados por estruturas econômicas alicerçadas na acumulação do capital através da obtenção da mais valia, o grande segredo do capitalismo (3). Agora, o grau de intensidade com que o monopólio legítimo da violência é utilizado para garantir esta acumulação do capital pode variar de governo para governo, de acordo com a correlação de forças presente em cada estado, em cada contexto social.Podemos citar, por exemplo, o ocorrido em 2007, quando mais de 60 famílias da Via Campesina ocuparam a fazenda da multinacional suíça Syngenta Seeds em Santa Tereza do Oeste, no Paraná. Apesar de a justiça ter determinado que o estado retirasse as famílias da propriedade, o governador Roberto Requião se recusou a cumprir a decisão judicial, tendo sido inclusive obrigado a pagar multa diária de cerca de R$ 2.000,00. Desta forma, o governador se colocou ao lado dos trabalhadores rurais e contra o manejo do uso legítimo da violência para a defesa da propriedade privada. O mesmo pode ser dito da governadora Ana Júlia Carepa, do Pará, que se recusou a retirar os militantes do MST que no mesmo ano de 2007 ocuparam uma estrada de ferro administrada pela Companhia Vale do Rio Doce, durante o chamado “abril vermelho”.Nos dois casos, graças à ação dos governantes, o grau de intensidade com que o estado se manifestou em defesa da propriedade privada foi reduzido. Destarte, podemos considerar estes governantes como progressistas. O que não faz com que a essência do estado seja outra que não a de todos os estados modernos.Por outro lado, podemos observar outra forma de se utilizar o estado, bem diferente dos casos supracitados. A gestão do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, já se inicia demonstrando logo na primeira semana de mandato qual o papel que a prefeitura deve cumprir: a manutenção da ordem. Leia-se manutenção da ordem como caça aos trabalhadores do mercado informal, apreensão de suas mercadorias e demolição de casas sem licença, em geral localizadas em favelas, como é o caso de Rio das Pedras, além do recolhimento de moradores de rua.À primeira vista, a secretaria municipal de ordem pública, responsável por essas ações de choque de ordem, tem conseguido angariar a simpatia da mídia carioca, como atesta as capas dos principais jornais de circulação entre a “classe média” e a “classe média-alta” (4). No entanto, esses jornais escondem o corte de classe presente nessas ações.Não há como esconder que quem possui moradia irregular em Rio das Pedras é quem não possui dinheiro para se regularizar. Não há como esconder que quem possui trabalho informal, não o faz por opção, mas sim, pois não há vagas no trabalho formal. Não há como esconder que quem mora na rua apenas o faz, pois não possui outra opção. As ações tomadas pela secretaria municipal de ordem pública se dirigem exclusivamente à classe mais pauperizada de nossa população e não à classe detentora da propriedade privada. Outras ações poderiam ser tomadas como a criação e formalização de empregos e a criação e regularização de moradias populares. Mas não é isso o que vemos na pauta do dia da prefeitura do Rio de Janeiro. Não à toa podemos classificar o prefeito Eduardo Paes no campo conservador.
Notas:
(1) Ver LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo. São Paulo, Editora Martin Claret, 2003.
(2) Ver WEBER, Max. A política como vocação. In: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, LTC, 2002.
(3) Ver MARX, Karl. Salário, preço e lucro. São Paulo, Global editora, 1980.
(4) Emprego os termos “classe média” e “classe média-alta” por representarem conceitos utilizados pelo senso comum, apesar de serem inexatos, na medida em que não representam classes sociais, mas sim categorias sociais. Como bem lembra Lukacs em História e Consciência de Classe, “a divisão da sociedade em classes deve ser definida, no espírito do marxismo, pelo lugar que elas ocupam no processo de produção”.
Theófilo Rodrigues – Estudante de Ciências Sociais da PUC-Rio

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