Os paradigmas da educação e a descarga
Existem certos paradigmas explicitados por meio de frases e conceitos que são desastrosos para a educação. Quando definimos e conceituamos algo de forma dogmática, por tabela, limitamos aquilo que foi definido. Retiramos do alvo da definição a liberdade de ser outra coisa. Algumas frases que observamos ao longo de nosso trabalho – em escolas públicas ou privadas - são prova desses paradigmas.
No meio escolar, é comum afirmar-se, já no início do ano letivo, que: “Tal classe é muito ruim”. Os professores, de pronto, passam a considerar que os alunos daquela classe não são bons. E excluem a possibilidade daquela classe ser boa. Pra que gastar sal com carne podre?
Ao embarcar no (pré) conceito de que uma classe é ruim, o professor retira de sua ação pedagógica a possibilidade de interferência positiva para o ensino- aprendizagem e, naturalmente, compromete seu trabalho. O docente olha para os alunos – ruins – como um monte de gente sem valor. Não se trata do Rodrigo, da Bruna, do Pedro, da Letícia ou de alguém com nome e cara. Trata-se, de imediato, de uma classe como uma coisa uniforme e ... ruim. Os nomes no diário de classe são apenas um detalhe. Repeti a palavra ruim várias vezes de propósito.
Outra frase – comum nas escolas - é uma das maiores pérolas da educação: O professor Fulano dá aulas para quem sabe a matéria. Eu sempre achei que o professor era necessário para quem não sabe e precisa saber alguma coisa. Essa é a grande questão da educação. O magistério existe para isso – ensinar a quem não sabe. O desafio é e sempre foi esse. A transferência do saber e a conseqüente mudança de comportamento e de atitude diante da vida são feitas a partir da educação. Agora, quando o indivíduo já sabe, pra que professor? A incompetência começa por aí e termina em enorme desastre na educação. Infelizmente, muitos consideram a frase como um elogio ao professor – que dá aulas para quem sabe, quando, na verdade, é uma baita crítica.
A escola privada é melhor que a escola pública! Quanta bobagem. A sociedade precisa parar de fazer essa comparação boba. Existe Escola boa e Escola que não é boa. Os pais e a comunidade escolar devem possuir meios para aferir se a Escola de seus filhos é boa. Observem o ENEM, por exemplo. Existem Escolas ótimas, privadas e públicas.
_ “Prefiro pecar pelo excesso a pecar pela omissão”. Ouvi essa afirmativa de um professor que justificava o volume excessivo de conteúdo dado para os alunos de certa classe. Matutei com minha cabeça sobre essa frase de um ‘pecador’. Ora, o excesso é tão pernicioso quanto a falta. A diferença entre o remédio e o veneno não é a dose? Quando comecei a trabalhar no magistério, achava que meus alunos deveriam ser apaixonados pela História como eu sou. Na minha ingenuidade, eu acreditava que meus alunos completariam o curso – Ensino Médio – como “Historiadores”. A experiência me mostrou que não é bem assim. O ensino da História deveria ser uma ferramenta para o aluno crescer como individuo e não uma imposição tirânica de um professor que prefere errar pelo excesso. Finalmente aprendi que eu poderia contribuir para que meu aluno pudesse compreender um pouco melhor sua própria história, sem ser apaixonado pela História.
Certa feita, um aluno de classe média me perguntou o porquê do estudo sobre o marxismo, já que ele e seus colegas não eram proletários e, portanto, não necessitavam daquele aprendizado que, a princípio, cheirava a proselitismo. Gostei da pergunta e percebi, diante da rejeição ideológica do aluno, que ele havia compreendido o tema. Ao dizer que não fazia parte do proletariado, o aluno assumiu consciência de sua posição social e percebeu a questão da luta de classes tratada por Marx. De uma forma curiosa, o aluno entendeu o marxismo e a sua reação mostrou seu posicionamento na sociedade e no contexto no qual vivia. Isso é educação. O que meu aluno fez com o marxismo eu não sei. Mas sei que ele compreendeu a lição e torço para que ele pense um pouco mais no outro, proletário ou não.
Mudando radicalmente de assunto, os ambientalistas que me perdoem, mas continuarei dando descarga em minha privada. Digo isso porque li há pouco que uma personalidade defensora da natureza e radical na preservação do meio ambiente, afirmava que na sua casa, todos estavam proibidos de acionar a descarga quando fossem urinar. Se for “amarelo”, dizia o distinto, nada de descarga.
Sou do tempo em que a descarga era acionada imediatamente após o uso da privada, sendo o dejeto amarelo, marrom, verde ou de qualquer cor. Não tenho paciência com radicalismos de qualquer espécie, mas nesse ponto, sou radical. Creio que há água suficiente para a descarga. Posso diminuir o tempo no banho, evitar lavar o carro. Mas sou irredutível quanto à descarga. A descarga é sagrada, como as vacas na Índia. Dou descarga e ponto final.
Aciono a descarga, principalmente, quando vejo, flutuando na água da privada, as expressões:
“Dar aula para quem sabe” - “Prefiro pecar pelo excesso a pecar pela omissão” - “Tal classe é muito ruim” – Escola privada é melhor do que Escola Pública.
Newton Luiz de Miranda
sexta-feira, 23 de abril de 2010
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9 comentários:
Newtinho, excelente texto! Concordo com você que o problema não é a educação e sim a forma como se pensa a educação. A prática do professor é um constante embate , em que é preciso conciliar a heterogeneidade social de seus alunos, com uma leitura de mundo que seja ampla e ao mesmo tempo alcance o aluno em sua realidade. Não sei se faz diferença, mas como sua aluna, aprendi a me apaixonar pela História, e percebi que é impossível ter uma visão crítica da sociedade que nos cerca sem conhecê-la. A História é essa ferramenta que nos dá a possibilidade sermos sujeitos ativos e com capacidade de modificar nossa realidade. Obrigada por tudo, para mim, você sempre será o melhor professor de História de todos os tempos!
Thais Lott
Esses professores que dizem pecar pelo excesso,na verdade pecam por vaidade.Querem falar do serviço ao inves de mostrar serviço.Ainda bem que temos professores sensatos que denunciam o "falso interesse" de alguns.
Você pode acreditar que muitos não se apaixonam pela História,assim como qualquer outra materia,mas com certeza ser um professor dedicado transforma os alunos em alunos idem.
ps.:estão lançndo um projeto "faça xixi no banho"...só pra irritar quem ama a descarga.
Newton ótimo ponto de vista as afirmativas que voce escutou não passam de falácias e balelas.Ja estamos carecas de escutar estes clchês da boca de alunos e professores.Apreciei também o seu jeito de escrever, sem palavras muito cabeludas e de facil compreensão... desde ja salvei este texto para treinar uns artigos de opnião.Não ache ruim ou pense que sou um cara de pau, é que na verdade a imitação é a melhor forma de reconhecimento.
abraços... e tem que economizar na descarga sim amigão... mije nas plantinhas da suaca kkkkkk
Newtinho a forma clara e cômica como expõe sua opinião. E como em todas suas aulas,amo história desde que abri um livro lembro-me ate o contexto era referente à revolução industrial, 2° guerra. Desde já procurei cursos sempre usando com referencia a história e geografia( outra matéria que sou apaixonada).
Mas uma coisa que me fez firmar essa paixão foi em 2009 quando iniciei por recomendação de uma amigo o curso pré-enem no soma, e a primeira aula foi a sua. Vendo sua paixão pelo o que falava me fez ver uma semelhança como a minha. Desde daí não parei,hoje faço CEDI, o extensivo e a primeira coisa que procurei saber se as aulas de história seriam as suas, digo ao atingir meu objetivo tenha a certeza que em parte devo a você.
Sou biólogo, mestre em Ecolgia Aplicada, ex-aluno do Prof. Newton e concordo com ele.
A descarga é sagrada!!!!
Claro que, por morar em casa com quintal, prefiro fazer um xixi próximo à goiabeira ou num matinho a gastar 6 a 8 litros d'água numa descarga.
Outra campanha que realmente divide opiniões é a de fazer xixi durante o banho! 0.o
Abraços!
Clever
Gostava muito de História desde pequena... Depois que tive aula com você passei a amar a matéria...
Você é o tipo de professor que eu gostaria de ter aulas da matéria pra sempre!!! Foi ótimo passar na UFMG, mas foi ruim não ter mais aulas tão maravilhosas com você!
Obrigada!
Professor,
que belezura esse seu blog. Fico encantada com o comprometimento dos professores do Soma. Assisto às suas aulas com enorme prazer. Trem bom que é te escutar (e ler). Tô passando aqui pra tietar um pouco!!
PAPAI QUER VER VOCÊ
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